Heroínas do Ceará: mulheres que mudaram a história com resistência e dedicação

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O Ceará é terra de resistência, cultura e lutas sociais, e muitas mulheres foram protagonistas de momentos decisivos na história do nosso estado. Desde a política até a educação, da arte à militância, elas atuaram e continuam fazendo história com resistência e dedicação.

Em matéria especial, neste Dia da Mulher, apresentamos quatro grandes personalidades femininas que deixaram legados inspiradores que continuam vivos e pulsantes até hoje.


Bárbara de Alencar – A primeira presa política do Brasil

A heroína republicana Bárbara Pereira de Alencar (1760-1832) nasceu em Exú, Pernambuco, na fazenda Caiçara de propriedade de seu avô Leonel Alencar Rêgo, patriarca da família Alencar, mas ainda adolescente, mudou se para a então Vila do Crato, no Ceará. Casou-se com o comerciante português José Gonçalves dos Santos com quem teve quatro filhos: João Carlos José dos Santos, Joaquina Maria de São José, Tristão Gonçalves Pereira de Alencar e José Martiniano de Alencar. Este último é pai do romancista José de Alencar.

Bárbara de Alencar foi uma das figuras mais emblemáticas da história do Ceará e do Brasil. Mulher à frente de seu tempo, ela desafiou as normas patriarcais e abraçou a luta pela liberdade em um período em que a política era dominada exclusivamente por homens. Participou ativamente da Revolução Pernambucana de 1817, que buscava romper os laços com a Coroa portuguesa e estabelecer um governo republicano no Brasil.

Cela onde ficou Bárbara de Alencar / Reprodução


Teve papel fundamental na organização da revolta no Ceará e, após a derrota do movimento, foi presa e submetida a condições desumanas no Forte de Nossa Senhora de Assunção, em Fortaleza. Sua prisão tornou-se um símbolo de resistência, e Bárbara foi reconhecida como a primeira presa política do Brasil. Mesmo após ser libertada, continuou defendendo seus ideais republicanos e participou ativamente da Confederação do Equador, em 1824, outro importante levante contra o domínio português.

Seu legado transcendeu sua época, influenciando gerações de mulheres e homens que lutaram pela democracia no Brasil. Hoje, seu nome batiza ruas, escolas e instituições, e sua casa no Crato é um patrimônio histórico que relembra sua bravura e determinação.

Posse de Rachel de Queiroz na Academia Brasileira de Letras, em 1977. (Arquivo Nacional)


Rachel de Queiroz – A primeira mulher na Academia Brasileira de Letras

Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, no dia 17 de novembro de 1910. Filha de Daniel de Queiroz Lima e Clotilde Franklin de Queiroz, é parente, pelo lado materno, da família de José de Alencar. Quando ela tinha apenas 45 dias de nascida, a família mudou-se para a Fazenda Junco, em Quixadá. Três anos depois, seguiu para Fortaleza e em 1917 toda a família partiu para o Rio de Janeiro, fugindo de uma grave seca, que desde 1915 atingia a região Nordeste. Em 1919 retornaram para Fortaleza.

Rachel de Queiroz foi uma das escritoras mais influentes do Brasil e uma das vozes mais importantes da literatura nordestina. Destacou-se ainda jovem ao publicar seu primeiro romance, “O Quinze”, em 1930, uma obra que retrata com profundidade e sensibilidade a tragédia da seca no sertão cearense.

Sua escrita realista e seu olhar crítico sobre as desigualdades sociais marcaram sua trajetória na literatura e no jornalismo.

Em 28 de outubro de 1937 Rachel de Queiroz foi presa, em Fortaleza, durante a ditadura de Getúlio Vargas. Com a acusação de que a escritora era comunista, seus livros foram queimados em praça pública. No confinamento, escreveu o Caminho de Pedras, onde a paisagem nordestina deixa o primeiro plano dando lugar à abordagem de agitações políticas, métodos de educação e um texto que exalta a participação feminina na vida pública. Menos de 30 anos após ser presa, Rachel de Queiroz, em 1964, integrava o Conselho Federal de Cultura e o diretório nacional da Arena, partido político de sustentação do regime militar.

Além de sua brilhante carreira como escritora, Rachel também foi uma figura ativa na política e na imprensa. Trabalhou como cronista em importantes jornais e revistas brasileiras e participou do debate público sobre questões sociais e políticas. Seu talento e pioneirismo foram reconhecidos em 1977, quando se tornou a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, um feito que abriu caminho para outras escritoras no cenário literário nacional.

Rachel de Queiroz foi, ainda, a primeira mulher a receber o Prêmio Camões, a mais alta condecoração para escritores de língua portuguesa. Seu legado permanece vivo por meio de suas obras, que continuam a ser lidas e estudadas, inspirando novas gerações de escritores e leitores.


Maria da Penha – Símbolo da luta contra a violência doméstica

Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em Fortaleza e tornou-se um dos maiores símbolos da luta pelos direitos das mulheres no Brasil. Sua história de superação e ativismo começou de maneira trágica: em 1983, sofreu duas tentativas de feminicídio cometidas por seu então marido. Após sobreviver a esses ataques brutais, ficou paraplégica e passou a enfrentar uma batalha judicial que durou quase 20 anos para que o agressor fosse punido.

Diante da impunidade e da morosidade do sistema judicial brasileiro, Maria da Penha levou sua denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que responsabilizou o Brasil por negligência no combate à violência doméstica. Esse caso foi determinante para a criação da Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, considerada uma das legislações mais avançadas do mundo na proteção das mulheres contra a violência.

Desde a sua criação, muitos projetos de lei tentaram enfraquecer a Lei Maria da Penha, mas, devido à ação conjunta de Maria da Penha com movimentos feministas e instituições governamentais, a legislação nunca sofreu retrocessos.

Hoje, Maria da Penha é ativista e presidente do Instituto Maria da Penha, onde continua sua missão de conscientização e defesa dos direitos femininos. Seu trabalho já ajudou milhares de mulheres a romperem o ciclo da violência e a buscarem justiça. Seu nome se tornou sinônimo de resistência, força e transformação social.


Francisca Clotilde – Educadora, escritora e jornalista pioneira

Francisca Clotilde (1862-1935) foi uma educadora, jornalista e escritora que marcou a história do Ceará. Natural de Tauá, destacou-se na luta pela educação feminina e pelos direitos das mulheres, num período em que a participação feminina no ensino e na literatura era bastante limitada. Trabalhou como professora e diretora de escolas, sempre incentivando a formação intelectual das mulheres.

Além de sua atuação na educação, Francisca Clotilde foi uma importante escritora e cronista. Seu romance “A Divorciada”, publicado em 1902, é considerado um dos primeiros livros brasileiros a abordar a questão do divórcio sob a perspectiva feminina, um tema polêmico para a época. Também escreveu peças teatrais e artigos em jornais, nos quais defendia os direitos das mulheres e o acesso à educação.

Seu impacto social e político foi imenso. Como jornalista, usou seus textos para denunciar injustiças e debater temas como o direito ao voto feminino, a inserção das mulheres no mercado de trabalho e a necessidade de políticas educacionais mais inclusivas. Seu ativismo influenciou mudanças na forma como a sociedade cearense via a mulher, ajudando a consolidar um espaço de protagonismo feminino na esfera pública.

A influência de Francisca Clotilde no jornalismo cearense foi notável, sendo colaboradora de periódicos como “A Quinzena” e “A Estrella”, espaços onde debatia temas como a emancipação feminina e os desafios enfrentados pelas mulheres na sociedade. Seu trabalho abriu caminhos para outras intelectuais cearenses e consolidou seu nome como uma das pioneiras na luta pela igualdade de gênero no Brasil.

Legado de resistência

As mulheres cearenses sempre tiveram papel fundamental na construção da história do estado e do Brasil. Elas desafiaram barreiras, enfrentaram preconceitos e deixaram um legado de resistência, cultura e transformação social. Conhecer essas trajetórias é essencial para valorizar suas conquistas e inspirar novas gerações a continuar lutando por um mundo mais justo e igualitário.

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